segunda-feira, 21 de julho de 2008

A vez do Sistema $

Publicado na revista Caros Amigos em julho de 2008

O governo federal pretende modificar a regulamentação do chamado “Sistema S”, que abarca instituições como Senai, Sesi, Senac e Sesc. Sua arrecadação chega a R$ 13 bilhões por ano, graças a uma porcentagem cobrada mensalmente sobre as folhas de pagamento das empresas. O dinheiro provê cursos profissionalizantes e de especialização, eventos e espaços culturais em todo o país.
Apesar da qualidade inegável dos serviços prestados, a discussão ganhou importância depois que a Controladoria Geral da União apontou diversas irregularidades na destinação das verbas e criticou a falta de transparência numa estrutura tão vasta e dispendiosa. As contribuições que mantêm o Sistema possuem todas as características de tributo (são compulsórias, permanentes, arrecadadas e distribuídas pelo Poder Público), mas destinam-se exclusivamente a cofres privados. O orçamento fabuloso, superior aos de alguns Estados da Federação, não impede que muitas atividades educacionais exijam o pagamento de matrículas e mensalidades.
Entidades empresariais veiculam publicidade, manifestos e abaixo-assinados contra as mudanças. Julgam o Sistema S imprescindível e imanente, à prova de questionamentos, vigorando acima das instituições democráticas. Além de autoritário e centralizador, o patronato revela-se incoerente: reclama da carga tributária, mas financia uma caríssima campanha midiática para manter privilégios pagos por um tipo (mal) disfarçado de imposto; lutou contra a CPMF, que financiava a Saúde e projetos infra-estruturais, mas defende uma dentada que onera a mão-de-obra e contribui para a informalidade do mercado de trabalho; repudia a ação estatal como interventora, mas apóia-se nela para arrecadar.
Vamos apostar que lobby prevalecerá nas negociações com o Congresso, em pleno ano eleitoral?

Atualização em 23 de julho: o governo federal e as entidades patronais fecharam um acordo, finalizando a polêmica (veja aqui). A imprensa oposicionista (sempre contrária às mudanças) vai transformar a notícia num recuo do primeiro. Mas essa é uma visão deturpada: a saída foi política, negociada, como deveria ser. O governo conseguiu alterar o funcionamento de um mecanismo que era intocável há décadas; cedeu para evitar um desgastante embate no Congresso. Se houve "derrota", foi do Sistema $, que engoliu a legítima iniciativa estatal para não se submeter à exumação pública de suas entranhas bilionárias. Ganha a sociedade, com as mudanças conquistadas nos serviços oferecidos e com a quebra de um privilégio absolutamente injustificável. E fica aberto o precedente para modificações futuras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito elucidante e pertinente este artigo Scalzilli. Discussão boa de acompanhar com lupa mesmo!

fks