segunda-feira, 11 de julho de 2011

Quem tem medo da Copa?



Publicado no Amálgama

“E é neste país que se pretende fazer uma Copa do Mundo de futebol” – a frase virou um mote da indignação jornalística perante as mazelas cotidianas, um código de etiqueta para os cronistas iluminados que sabem ver a nudez do Brasil putrefeito sob o tolo otimismo das massas. E não faltam desgostos corriqueiros que alimentem a moda chique da autodepreciação. Seu apelo reside justamente na maleabilidade do protesto, no poder camaleônico de purgar os mínimos percalços da vida urbana, generalizando culpas e dissolvendo-as numa imponderável brasilidade sem remédio.

Ninguém critica os governos estaduais pela falta de metrôs, as polícias pelas confusões nos estádios , as companhias aéreas pelo sofrimento dos passageiros, as prefeituras pelo trânsito caótico, a Fifa e a CBF pela falta de investimentos, o Judiciário pelo sistemático desrespeito ao consumidor. Claro, é mais fácil mandar o país inteiro às favas. E não convém estabelecer responsabilidades pontuais que envolvam os poderosos anunciantes da mídia corporativa, os lobbies que financiam ou protegem gabinetes e redações, as alianças partidárias afinadas com o discurso do fracasso inevitável.

Acontece que essa diluição de nexos causais não se alimenta apenas de preguiça e oportunismo. A organização de megaeventos exige complexas miscelâneas de ações públicas e privadas, mas o produto midiático resultante possui uma identidade nacional. A desmoralização dessa imagem alcança os próprios esteios subjetivos do patriotismo (orgulho, euforia, crença nas instituições), e é desnecessário mergulhar em teorias acadêmicas para expor o alcance político-eleitoral do fenômeno.

O esforço da propaganda falaciosa foi incapaz de minar as candidaturas brasileiras à Copa e aos Jogos Olímpicos, ou de neutralizar o imenso triunfo de popularidade que suas vitórias trouxeram ao governo Lula. Agora, temendo o previsível benefício para Dilma Rousseff no ano eleitoral de 2014, seus adversários alimentam o pessimismo indiscriminado para grampear no governo federal as confusões igualmente previsíveis do torneio futebolístico.

Sim, haverá superfaturamentos, desmandos e corruptelas, como em todos os projetos similares de qualquer país que os sedie. Considerando a omissão, a incompetência e a brandura ética das autoridades “responsáveis”, talvez os nossos defeitos sejam de fato agravados. Mas a ideologização da cobertura também cumpre seu papel nesse redemoinho vicioso: o empresariado vigarista enriquece, os escândalos atingem o Planalto, a oposição ganha um palanque gratuito na mídia e ambas recebem favorecimentos daquelas mesmas corporações que ajudaram a absolver.

Bons propósitos e medidas isoladas não bastam. O governo Dilma precisa abandonar o soberbo distanciamento dos erros alheios e assumir de vez o protagonismo gerencial da Copa. Urge também criar um sistema exclusivo e permanente de comunicação que incentive a transparência do processo, amenize as manipulações da imprensa e contraponha a nova febre de ceticismo antes que a própria militância de esquerda seja contaminada.

Caso necessitem de um bom argumento para convencer a presidenta de que é necessário agir logo, seus assessores podem exibir-lhe a gravação da cerimônia de abertura dos últimos Jogos Pan-Americanos. A cena é constrangedora, mas simbólica e muito educativa. Tenho certeza de que Dilma entenderá o recado.

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