É arriscada a tese de que os apupos em Brasília
nasceram do descontentamento político da população. O raciocínio levaria a crer
que a falta de episódios semelhantes em outros países indica uma satisfação
popular com seus respectivos governos. Sabemos que não é bem isso que ocorre,
mesmo nos mais civilizados rincões.
Também evito diagnosticar ali apenas privilegiados
vomitando ódio de classe, embora os ingressos não tenham sido baratos e as
estatísticas de aprovação a Dilma Rousseff coloquem a representatividade do
protesto em dúvida. Qualquer generalização sobre as origens da platéia do Mané
Garrincha seria leviana.
Outro devaneio tolo envolve a presença de Dilma no
evento, ou seu cotejo aos coronéis do futebol brasileiro e internacional. Ora,
alguém julga razoável que a presidenta da República se abstenha de inaugurar a
Copa das Confederações, na capital do país, às vésperas de sediar a maior
competição mundial do esporte? Queriam que a organização barrasse Joseph
Blatter e José Maria Marin? Que ninguém se pronunciasse numa solenidade com
tamanha relevância?
Não cometeria a insânia de questionar o “direito” à
manifestação pública de repúdio a qualquer pessoa ou entidade. Ele existe, ou
deveria existir, em todas as circunstâncias da vida social, inclusive quando se
paga caro para prestigiar uma seleção que é o próprio símbolo da corrupção e do engodo.
Sugiro apenas uma reflexão acerca do que o gesto
revela de nossa maturidade política e dos nossos princípios de cidadania. Uma
contribuição para o debate foi publicada no Observatório da Imprensa ("Welcome to Brazil", julho de2007), após Lula ser vaiado na abertura dos Jogos Pan-Americanos. Eis o trecho
final:
“Imaturo e caricato, o público do Maracanã
mostrou-se despreparado para abrigar um evento de porte continental. Não foi ‘irreverente’,
como quiseram alguns; foi patético. Misturou atuação política e macaquice jeca,
militância e torcida de futebol. Purgou-se dos dissabores ideológicos com uma
afronta omissa, que poucos ousam repetir à luz do dia. Trocou o tédio do ritual
civilizado, rara chance de fingir alguma dignidade, pelo carnaval grotesco da
autofagia desdenhosa.
Conhecemos há tempos o perfil dessa multidão
ignorante, dotada de posses, que se despiu da empáfia para uivar no escuro.
Estão ali justamente os maiores críticos do país, cujo atraso amaldiçoam com a
superioridade dos cosmopolitas. Não por acaso, são os mesmos pugilistas do
falso moralismo, que defendem soluções antidemocráticas para sanear os males da
corrupção alheia, desde que as próprias benesses permaneçam garantidas.
É o “ishpérrto” do jeitinho carioca, burguês
folgado e malicioso, dado a contravenções. São as profissionais liberais
reacionárias, histéricas e debochadas, que finalizam discussões comendo dedos
de esquerdistas. E também as madamas grosseironas, com seus maridos brucutus,
distribuindo cotoveladas, insultos e propinas para garantir melhores lugares em
filas, assentos e mesas. E ainda as jovens raquíticas, amedrontadas pelo
povaréu fedido, agarradas aos namorados almofadinhas, confessando saudades de
Bariloche, Aruba ou Miami. E os sábios da imprensa-de-crachá, os convidados de
autoridades insignificantes, os apadrinhados da burocracia enferma, todos
escancarados em sua vulgaridade, soltando gargalhadas mefstofélicas ante o que
julgavam ser um ‘momento histórico’, o ‘risco no teflon’, a suprema humilhação
do lulo-petismo.
Pobres diabos. Vaiaram-se ao espelho.”
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