segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Governo novo, ideias paleozoicas

 

O senador Cristovam Buarque encerrou as audiências públicas sobre a legalização da maconha evitando posicionar-se a respeito. Em termos práticos, avalizou a permanência da estupidez repressiva.

Enquanto o mundo adota gradativamente a legalização da erva, o Brasil se aferra a um atraso jurídico inexplicável, virando o paraíso mundial dos traficantes e empurrando cidadãos inofensivos à criminalidade. Inclusive familiares de pessoas que precisam dos derivados da planta para amenizar efeitos de doenças graves.

Além da sensação de nova chance perdida, é decepcionante ouvir o nobre legislador repetindo as justificativas do proibicionismo: os malefícios físicos e psicológicos da erva, o mito da “porta de entrada” para as drogas verdadeiramente nocivas, o risco de aumento do número de usuários, etc.

A incrível permanência de tais mistificações, contrariando todos os estudos disponíveis, mostra que a estratégia legalizadora chegou a um impasse. Manter a disputa no terreno da suposta racionalidade científica apenas legitima a falsa relevância de aspectos secundários, que sequer deveriam ser discutidos no âmbito legislativo.

Repitamos o óbvio: o que está em questão é a liberdade da pessoa usar seu corpo como quiser, salvaguardando-se os danos a terceiros. Simples assim.

Certos tópicos fundamentais da cidadania suplantam democratismos oportunistas. Ninguém submeteria a decisão sobre a pena de morte às vítimas da violência. O estado de Direito jamais seria laico se precisasse da autorização de líderes religiosos.

Eis porque a mais relevante iniciativa descriminalizadora dos últimos anos é o Recurso Extraordinário 635659, escondido numa pilha do STF. Infelizmente, o processo está sob a responsabilidade do ministro Gilmar Mendes. Mas, pelo menos, a petição é muito bem feita (vale a pena conhecê-la) e diz respeito às prerrogativas constitucionais da corte.

Abrir o debate para além do foco doutrinário nos direitos individuais confere poder de veto aos interesses vinculados à criminalização da maconha. Organizados e poderosos, esses lobbies sempre vencerão a falta de representatividade política e os estigmas que marginalizam os milhões de canabistas do país.

O governo federal poderia abraçar a causa, numa guinada progressista que teria sustentação pluripartidária e marcaria a reaproximação do PT com a juventude. Seria, principalmente, uma maneira de provar que o país pode evoluir mesmo sob uma administração aprisionada pelo conservadorismo.

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