É típico do uso partidário do combate à corrupção
dividir a sociedade entre os adeptos da cruzada saneadora e os cúmplices da
roubalheira. Essa armadilha serve justamente para ocultar a instrumentalização,
pela direita, da pauta da moralidade pública.
Mas o conservadorismo da bandeira anticorrupção não
reside apenas no seu uso por facções políticas. A tática de acuar o governo
federal visa mais do que impedi-lo de guinar à esquerda para
recuperar o apoio das bases. Visa também evitar que o Planalto reivindique e incentive
ações de combate ao crime para além dos domínios petistas.
A estupidez do impeachment serve à impunidade
geral. A mídia endossa a ideia de afastamento de Dilma Rousseff para ofuscar a
roubalheira generalizada e para que o absurdo e a inviabilidade da iniciativa
golpista contaminem o debate sobre a corrupção no país.
Não é coincidência que a bobagem ganhe força junto
com a descoberta de escândalos que mancham a hipocrisia moralista da direita. Sabendo que Dilma não cairá por vias legítimas, a oposição tenta
enfiar seus apaniguados sob a mesma blindagem. Transformando-a em bode
expiatório da pizza resultante.
Apesar da irracionalidade e do oportunismo da caça
às bruxas, a esquerda comete um erro estratégico ignorando o fenômeno. O
silêncio orgulhoso dos sensatos permite que os brucutus se apropriem de uma
causa forte e sedutora, naturalizando a falácia de que apoiar o governo federal
equivale a aceitar ilicitudes.
Os adversários da histeria, dentro e fora do
governismo, fariam melhor lidando cinicamente com os cínicos. Em vez de repudiar
o clima justiceiro, deveriam alimentá-lo até o paradoxo, participando das
passeatas com cartazes de “Fora Alckmin”, “Fora Richa” e “Fora Serra”, e faixas
sobre as contas secretas na Suíça, os mensaleiros tucanos e a máfia
dos cartéis metroviários paulistas.
Aderindo ao estímulo majoritário das
manifestações, o gesto não poderia ser acusado de malicioso ou ilegal. Qualquer
advogado consegue uma liminar preventiva garantindo o direito de explorar o falso apartidarismo defendido pela própria liderança dos atos.
Mesmo sem autorização judicial, desde que os
impertinentes se mantivessem coesos, pacíficos e imunes a provocações, os organizadores
e as polícias seriam forçados a tolerar sua presença. Afinal, eles aceitam
neonazistas, não aceitam?
Basta formar um bloco de míseras duas mil pessoas
com camisetas da seleção, filmando cada passo, distribuindo panfletos,
seduzindo populares. Depois, espalhando material nas redes sociais, causando
polêmica na mídia e suscitando debates.
Aposto que a moda moralista começa a dissipar em
poucas semanas.
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