Apesar da perplexidade e da desinformação, podemos
antever certos desdobramentos narrativos da infâmia parisiense. Mais
especificamente, as versões que não merecem o endosso de observadores críticos.
No flanco esquerdista, o desprezo cínico pelas
vítimas e os argumentos geopolíticos de justificação da violência. O extremismo
islâmico é inaceitável sob todos os aspectos. Não há “choque de cultura”,
guerra ideológica ou relativismo pós-modernoso que faça a barbárie parecer aceitável
numa circunstância e deplorável em outra.
Na vertente direitista, a comoção romântica diante
do paraíso civilizatório ameaçado. A situação dos direitos humanos, a realidade
social e a competência do Poder Público na França são muito piores do que disseminam
a propaganda turística e o provincianismo ignorante. Uma incrível cadeia de
abusos e incompetências estatais primeiro gerou e depois agravou o massacre
parisiense. Os terroristas eram (são) franceses.
Por fim, no comentarismo falsamente equilibrado, o
ranço elitista da indignação seletiva. A diferença das reações geradas pela
chacina de “nossos semelhantes” em lugares chiques de Paris e pelo banho de
sangue no botequim da periferia paulistana revela um componente ideológico que
nada possui de humanista. Alguém que aceita os policiais carniceiros de Geraldo
Alckmin não pode exigir punições exemplares para os terroristas muçulmanos.
Como combater a intolerância e a barbárie sem transformá-las em instrumentos desse mesmo combate? Por que os mais avançados
sistemas de inteligência do planeta são incapazes de prevenir ações de tamanha
envergadura? O que os atentados ensinam sobre o controle de armas, a corrupção
de agentes públicos, o tratamento aos imigrantes e as estratégias intervencionistas
das potências militares mundiais?
Nenhuma das perguntas tem resposta fácil, e nem
deveria ter. Se as enfrentássemos com honestidade e coragem, no entanto, em vez
de fazermos especulações rasteiras, as mortes de Paris não seriam totalmente
vãs. Enquanto nos iludimos com homenagens, condolências e exibicionismos
nacionalistas, alguém está preparando o próximo ataque.
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