terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Reflexões inconvenientes sobre o MPL


















Publicado no Brasil 247

Por mais que simpatizemos com a ideia do transporte público gratuito e universal, é difícil imaginá-la em vigor na dura realidade administrativa do país. A falta de respostas aos problemas orçamentários e jurídicos da medida agrega à principal reivindicação do Movimento Passe Livre um incômodo aspecto de esoterismo coletivista.

A citação de exemplos isolados onde vigora a gratuidade soa inconvincente para referendá-la nos contextos caóticos das metrópoles brasileiras. Não é só uma questão de escala, mas também de prioridade. Fala-se na revisão das dívidas municipais, mas seria quase desonesto exigir que a solução (de resto improvável) deixasse de atender a demandas mais graves e urgentes da sociedade, como saúde, educação e segurança.

Mesmo a questão do transporte vai muito além das tarifas. O colapso da mobilidade nasce de imensos problemas de planejamento, gestão e infra-estrutura que extrapolam o âmbito municipal. Nenhum urbanista defende a gratuidade das passagens como estratégia suficiente para solucioná-los. Poucos, aliás, julgam-na viável em si.

A carência de propostas unificadas e coerentes para o setor reflete a extensão do dilema, e também sinaliza o divórcio entre as lucubrações militantes e a realidade gerencial da esfera pública. O melhor sintoma desse deslocamento é a limitação do MPL a pautas oportunistas e localizadas, que tangenciam as verdadeiras questões práticas da área.

Talvez cansados de transtornar suas cidades para exigir o inexeqüível, os ativistas passaram a lutar “apenas” contra o aumento das tarifas. Embora seu nome carregue uma reivindicação clara, o movimento prefere aceitar a inevitabilidade da cobrança, como se a ruína do sistema fosse uma simples questão de valor unitário dos bilhetes. A anulação do reajuste faria alguma diferença na qualidade dos serviços prestados?

Em suma, falta plataforma ao MPL, um rol de melhorias com base jurídica, técnica e contábil que amenizem as agruras dos habitantes do mundo real. Empurrar a lacuna para o Poder Público é uma forma ingênua e inconsequente de atuação política. Vulgariza as muitas insatisfações populares sob um rótulo protestante generalista que se satisfaz em causar danos esporádicos à coletividade.

Isso explica o gradativo isolamento do MPL, abandonado pelas facções políticas e midiáticas que outrora o paparicavam. Sequer a inaceitável brutalidade policial, que ajudou a preencher o vazio reivindicatório dos protestos em 2013, consegue aglutinar mais adeptos à causa sem pauta.

Não há coincidência no fato de os black blocs ressurgirem ali, depois de uma elucidativa ausência nas mobilizações populares recentes. O radicalismo dos mascarados ocupa a lacuna programática do MPL, canalizando o descontentamento da juventude para um teatro de confrontação que só interessa aos poderes estabelecidos.

É um lamentável desperdício de energia transformadora, mas não deixa de ter certa função pedagógica.

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