No texto “Golpes e Desejos”, Diego Viana afirma
que o governismo alimenta um apreço inconfessável pela ideia de golpe, que
salvaria sua identidade esquerdista em meio ao fracasso administrativo federal.
A hipótese é interessante, mas o autor chega a esse diagnóstico evitando alguns
temas que poderiam desautorizá-lo.
O “déficit democrático” que sufoca os pobres e as
minorias recebe endosso dos mesmos campos institucionais empenhados no impeachment.
Se Viana usasse o fato como ponto de partida, perceberia que a causa governista
não fica assim tão distante das demandas populares, apesar de tudo.
Outra evidência ignorada pelo artigo é a obsessão
do oposicionismo jurídico-midiático em destruir as chances reeleitorais de Lula.
A projeção desejosa afirmada pelo contraponto com a direita não estaria então ligada
a um esquerdismo ilusório, mas à memória de uma experiência administrativa
bem-sucedida. Gesto que pode ser bastante sóbrio e pragmático, portanto, e não
simples delírio coletivo.
Viana parece excessivamente preocupado em basear a
crítica ao impeachment numa desqualificação prévia do governo federal e do
petismo. Adota, invertido, o vício criticado por ele nos governistas: quem se
opõe a Dilma e a seus algozes só pode ser de esquerda. E assim está autorizado
a denunciar o golpe.
Talvez por causa desse esforço de identificação, o
autor idealiza os “levantes” de 2013, como se uma entidade imaginária autenticamente
progressista jogasse o governo ao pólo oposto. A idealização simplifica um
fenômeno complexo e multifacetado, que abarcou inclusive facções saudosas do
lulismo, além de grupos indignados que engrossariam os protestos pelo
impeachment.
Não pretendo inocentar Dilma ou o PT das
respectivas incompetências. Tampouco menosprezo os benefícios que as imagens de
ambos e de Lula recebem dos métodos rudimentares da oposição. Tendo em vista o
nível dos ataques que sofrem, contudo, seria tolice desprezarem a força da memória
discursiva do golpe militar de 1964. No mínimo porque ela foi mobilizada pelo antipetismo em primeiro lugar.
De qualquer forma, transformar a vítima em
cúmplice potencial da violência é uma premissa perigosa, cujas implicações
dispensam comentários. No caso específico, não resta dúvida de que o governismo
preferia cruzar os próximos anos em relativa estabilidade, chegando a 2018 sob
o signo do retorno saneador de Lula.
Finalmente, é cômodo limitar a abordagem
fantasmagórica ao imaginário petista. Ela teria algo bem mais relevante a dizer
sobre os setores oposicionistas da militância de esquerda, ora incapazes de
fornecer respostas viáveis aos desafios da política real, ora hesitantes em
abraçar plataformas incontestáveis por receio de soar adesistas.
No curso dessas oscilações, transparece o desejo
de que o golpe aconteça de fato, com imensos prejuízos à democracia, apenas
para alguns oportunistas saborearem a derrota do PT. De preferência culpando o
partido também pelo retrocesso que seus adversários engendram.
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