A conjuntura da tentativa de golpe de Estado na
Turquia é singular e complexa demais para sequer esboçarmos paralelos com
qualquer outro país. A armadilha comparativa ficou clara nas primeiras reações
brasileiras aos acontecimentos: a direita saudando um golpe para marcar posição
junto ao suposto laicismo dos militares turcos; a esquerda, rechaçando os
golpistas, endossava um presidente despótico e retrógrado.
Logo foram as diferenças que, de tão óbvias,
passaram a nortear os embates centrados no impeachment de Dilma Rousseff. A
insurreição militar da Turquia provaria que no Brasil não há golpe. E a reação
do povo turco mostraria que o brasileiro aceita a deposição em curso.
Faz tempo que os apologistas do impeachment insistem
na necessidade de ação militar para caracterizar golpes. Eles “ignoram” que milicianos
e polícias vivem substituindo as Forças Armadas na instauração do arbítrio,
inclusive sob fachada republicana. Aliás, o próprio conceito de ruptura
institucional é bastante maleável. Vazar grampos ilegais contra uma presidente
da República seria coisa de “normalidade democrática”?
“Povo” é outra noção escorregadia. Certamente a
imagem da resistência turca perderia o viés heroico se nossos preguiçosos
observadores considerassem suas motivações, entre outras dúvidas mal explicadas
do episódio. Da mesma forma, o caráter popular das passeatas golpistas brasileiras não resiste a uma análise minimamente séria dos vetores midiáticos
e empresariais que as viabilizaram.
Nada autoriza afirmar que “os brasileiros” aprovam
o impeachment. O próprio Datafolha, vinculado à mídia golpista, afirma que um
terço da população rejeita a saída de Dilma. Em termos numéricos, o índice supera
os votos de Aécio Neves no segundo turno presidencial: são sessenta milhões de
pessoas.
A apatia diante do golpe não espelha aceitação,
mas uma consciência da inutilidade de enfrentá-lo para além de certos limites
concedidos. Essa acomodação tem a ver com a blindagem legalista que o STF
concedeu ao golpe, repetindo, aliás, seu aval à eleição indireta de Castelo
Branco em 1964. Graças à corte, o governo tucano de Michel Temer ganha um aspecto
irreversível, soberano, talvez mesmo ameaçador.
Os tanques e bombardeios se tornaram
desnecessários.
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