terça-feira, 19 de julho de 2016

Os golpes, o golpe, o povo












A conjuntura da tentativa de golpe de Estado na Turquia é singular e complexa demais para sequer esboçarmos paralelos com qualquer outro país. A armadilha comparativa ficou clara nas primeiras reações brasileiras aos acontecimentos: a direita saudando um golpe para marcar posição junto ao suposto laicismo dos militares turcos; a esquerda, rechaçando os golpistas, endossava um presidente despótico e retrógrado.

Logo foram as diferenças que, de tão óbvias, passaram a nortear os embates centrados no impeachment de Dilma Rousseff. A insurreição militar da Turquia provaria que no Brasil não há golpe. E a reação do povo turco mostraria que o brasileiro aceita a deposição em curso.

Faz tempo que os apologistas do impeachment insistem na necessidade de ação militar para caracterizar golpes. Eles “ignoram” que milicianos e polícias vivem substituindo as Forças Armadas na instauração do arbítrio, inclusive sob fachada republicana. Aliás, o próprio conceito de ruptura institucional é bastante maleável. Vazar grampos ilegais contra uma presidente da República seria coisa de “normalidade democrática”?

“Povo” é outra noção escorregadia. Certamente a imagem da resistência turca perderia o viés heroico se nossos preguiçosos observadores considerassem suas motivações, entre outras dúvidas mal explicadas do episódio. Da mesma forma, o caráter popular das passeatas golpistas brasileiras não resiste a uma análise minimamente séria dos vetores midiáticos e empresariais que as viabilizaram.

Nada autoriza afirmar que “os brasileiros” aprovam o impeachment. O próprio Datafolha, vinculado à mídia golpista, afirma que um terço da população rejeita a saída de Dilma. Em termos numéricos, o índice supera os votos de Aécio Neves no segundo turno presidencial: são sessenta milhões de pessoas.

A apatia diante do golpe não espelha aceitação, mas uma consciência da inutilidade de enfrentá-lo para além de certos limites concedidos. Essa acomodação tem a ver com a blindagem legalista que o STF concedeu ao golpe, repetindo, aliás, seu aval à eleição indireta de Castelo Branco em 1964. Graças à corte, o governo tucano de Michel Temer ganha um aspecto irreversível, soberano, talvez mesmo ameaçador.

Os tanques e bombardeios se tornaram desnecessários.

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