sexta-feira, 30 de novembro de 2012

“Argo”



















O que explica o sucesso de tantos atores que enveredam pela direção é a experiência no trabalho dramático e a afinidade com o universo criativo dos seus pares. De George Clooney a Selton Mello, passando por inúmeros exemplos de todas as nacionalidades, a capacidade de extrair boas interpretações sobrepõe eventuais inseguranças próprias aos novatos no ofício. A presença de técnicos hábeis garante o resto.

Ben Affleck não foge ao modelo. Mas seu terceiro longa-metragem como diretor destaca-se dos anteriores na segurança com que transita por diferentes climas e ritmos, sem perder o controle da unidade. Muito desse resultado nasce do excelente roteiro do jovem Chris Terrio, que transformou uma passagem real meio desinteressante numa obra divertida que une comentário político, drama de espionagem e sátira ao universo hollywoodiano. Forçando a análise (rumo à falta de verossimilhança e de fidelidade histórica, por exemplo), pode até conotar certo esforço metalingüístico.

“Left-wing bullshit”, diria o velho Clint. Justamente por essa afinidade com o padrão cool da intelectualidade local, e pelo espírito saudosista em voga, o filme se credencia como candidato a alguma coisa no próximo Oscar. Talvez fosse oportunidade para reconhecer o sensacional John Goodman, cujos momentos com Alan Arkin são impagáveis.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A milícia demotucana












O governo Geraldo Alckmin conseguiu materializar um pesadelo que o orgulho paulista há pouco julgava irrealizável: a participação de policiais e outros funcionários públicos nos grupos de extermínio que espalham chacinas pela periferia paulistana. Algo que estávamos acostumados a assistir somente nas apocalípticas coberturas globais do cotidiano carioca transforma-se em cena cotidiana do centro empresarial do país.

Não se trata “apenas” do fracasso administrativo no combate ao crime organizado, mas de uma putrefação institucional que desafia a própria autoridade civil eleita com base na suposta excelência administrativa. Em seu continuado esforço para preservar o governador Geraldo Alckmin, Ministério Público e Assembléia Legislativa tornaram-se cúmplices das mortes de tantos civis inocentes. E a imprensa local, que abdica tão rapidamente das prerrogativas republicanas quando estas deixam de servir-lhe, contribui para a impunidade dos assassinos.

Vê-se o quanto a onda moralista do noticiário é genuína e apartidária.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O país do passado















Os eleitores de Washington e Colorado aprovaram em plebiscito a legalização total da maconha. Outros dezenove estados norte-americanos permitem o uso medicinal da planta. O maior patrocinador mundial da estúpida política repressiva antidrogas aos poucos adere à tendência descriminalizante que vigora em países como Holanda, Suíça, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai. E o Brasil continua apegado a um entulho jurídico que até mesmo os seus criadores tratam de abandonar.

Antes o provincianismo local justificava nossa adesão através da suposta grandeza civilizatória dos painhos do Norte. Agora essa mesma superioridade ajuda a endossar uma posição contrária: não somos “evoluídos” o suficiente para seguir o exemplo alheio. É uma saída cômoda também para setores profissionais alinhados ao proibicionismo, constrangidos por estatísticas e pareceres técnicos que derrubam suas mistificações alarmistas.

Entre as possíveis críticas às administrações petistas, uma das mais subestimadas pela intelectualidade é a preservação dessa excrescência legal. Três sucessivos governos progressistas, com maioria parlamentar, foram incapazes de promover um avanço tão óbvio, respaldado por juristas, estudiosos de Segurança Pública e organismos internacionais. O máximo a que chegamos são iniciativas como a do movimento É Preciso Mudar, que perpetuam as políticas arcaicas sob uma fachada pretensamente liberal.

No futuro, quando a esquerda brasileira contabilizar seu legado na evolução dos direitos individuais, encontrará pelo menos um bom motivo de orgulho: ajudou a promover o filme do ursinho maconheiro.

sábado, 24 de novembro de 2012

“Gemma”



Austin Peralta (1990-2012) e banda em São Paulo. Peralta no teclado, Timothy Lefebvre no baixo e Justin Brown na bateria.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

“Cosmópolis”



















Lucubrações acerca do capitalismo e da crise econômica, atualizando o conhecido romance de Don DeLillo. Surpreendentemente fiel ao livro, inclusive nas passagens mais embaraçosas e nos diálogos cheios de elipses e subentendidos. O engenhoso clima apocalíptico foi acrescentado pela adaptação de David Cronenberg.

Personagens secundários apresentam diferentes perspectivas dos temas centrais, orbitando as errâncias do protagonista. Os atores famosos emprestam vigor aos tipos e ressaltam a inexpressividade vampiresca de Robert Pattinson, mas seria ingênuo creditar sua escolha apenas a uma jogada publicitária do diretor.

Suas marcas visuais estão muito presentes: o interior quase orgânico da limusine, a degradação corporal, a violência explícita, a insanidade, o ambiente de pesadelo. Há algo na fotografia de Peter Suschitzky (antigo colaborador de Cronenberg) que remete aos seus primeiros filmes de suspense. Talvez o uso das lentes grande-angulares em primeiríssimos planos, com filtros de cores inusitadas. Mas a péssima cópia do Cinemark não permitiu maiores desfrutes.

É interessante notar a misteriosa aparição de Paul Giamatti, através da janela do carro, na calçada. O relance, que pode passar despercebido, ganha menção na seqüência final.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Competentes e privilegiados

















Discutir fórmulas de disputa futebolística pelos méritos ideais dos sistemas é exercício interminável de subjetividade. Não existem modelos mais “justos” que outros, pois cada critério pede aptidões distintas. Podemos preferir disputas que exigem prudência e regularidade, ou as que favorecem o ímpeto e a surpresa, mas todas guardam lógicas defensáveis segundo os ambientes competitivos a que se destinam.

O debate começa a ficar menos relativo quando chegamos a um nível conjuntural e prático, ou seja, às condições materiais que acompanham as fórmulas classificatórias adotadas. Ora, é evidente que os possíveis benefícios dos pontos corridos só existem quando os adversários compartilham situações financeiras minimamente equilibradas. O privilégio econômico destrói a natureza igualitária do sistema e permite à rede Globo e a seus patrocinadores, através da escandalosa distribuição desigual das verbas televisivas, manipularem os resultados finais dos Campeonatos Brasileiros. Todo ano, invariavelmente, as oito melhores posições são ocupadas por clubes que arrecadam mais. E sempre será assim enquanto imperar essa cômoda “justiça” de mão única.

A festejada “competência” do Fluminense deve ser entendida apenas pela superação de outros clubes que possuíam os mesmos benefícios. Tomada como valor absoluto, a ideia distorce a realidade e fornece pretextos para que julguemos os meios de acordo com os fins alcançados. Burlar regras e pressionar juízes, por exemplo, também seriam sinônimos de “competência”, desde que levassem a vitórias impunes.

Não se trata de questionar a legalidade do título tricolor (não pelo aspecto em pauta), mas de lembrar que ele foi conquistado através de mecanismos exteriores ao domínio esportivo. Basta imaginar o clube sem três ou quatro de seus jogadores mais caros. A superioridade técnica de um corredor que vencesse adversários descalços não soaria razoável, mas no futebol regalias semelhantes parecem naturais.

A maioria dos admiradores dos pontos corridos se esforça para preservar as boas intenções do modelo, repudiando o favorecimento econômico da elite. Acontece que as duas coisas são indissociáveis. O método de pontos corridos é a fachada imparcial de um mecanismo corrompido que de outra maneira não teria a mesma eficácia (os sistemas eliminatórios estão sujeitos a contingências indesejáveis). Portanto, elogiar os pontos corridos implica necessariamente defender os interesses de uma rica minoria que se locupleta da decadência do futebol nacional.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Barbosa na berlinda













É fácil entender por que uma eventual candidatura de Joaquim Barbosa seduz o oposicionismo nacional. Experiente, austero, bem-sucedido e retórico, o ministro do STF encarna o tão desejado perfil do quadro conservador livre de estigmas partidários e do farisaísmo rançoso que costuma azedar o discurso moralista da direita. E ele carrega a popularidade conquistada pela espetacularização do julgamento que ora protagoniza.

Mas confesso que vejo o ensaio como positivo. Primeiro porque a falta de estofo político credencia o nobre magistrado (e seus apoiadores) a um enorme vexame eleitoral. Já aconteceu antes, com gente mais poderosa e bem preparada.

E segundo porque, para vencer essa dificuldade, Barbosa precisará receber imediata e reiterada atenção da imprensa. A exposição de sua vida pessoal, os debates sobre suas atividades jurídicas e os questionamentos acerca dos seus critérios condenatórios no caso que o tornou famoso ajudarão a desfazer muitas ilusões sobre o personagem e a instituição que ele inevitavelmente representará.

Por um lado seria útil manter o assunto na pauta quando os mensaleiros demotucanos caírem no esquecimento da mídia. Por outro, escancarando a politização do Judiciário, a campanha finalmente assumiria o que sempre esteve em jogo desde o início.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

“The runaways”



















O surgimento da pioneira banda de rock formada só por garotas, entre elas a depois cultuada Joan Jett. Não sobressai do padrão corriqueiro das cinebiografias musicais, abordando superação, sexo, drogas e episódios controversos. Dakota Fanning (irreconhecível) e Kirsten Stewart fazem o possível para honrar os papéis dificílimos que enfrentam. Michael Shannon, sempre marcante, brilha na composição do lendário produtor Kim Folley, que “inventou” as moças.

O fato de ser baseado na autobiografia da vocalista Cherie Currie e de ter produção da própria Joan Jett explica o lamentável desinteresse do filme nas outras componentes do grupo, particularmente a guitarrista Lita Ford. A direção da estreante Floria Sigismondi, especializada em videoclipes, peca pelo respeito excessivo àquelas referências, embora não esconda o aspecto gratuito, um tanto rudimentar, da cultura punk. A trilha sonora é excepcional, porém, digna do espírito setentista mais anárquico.

Em plena efervescência do fenômeno comercial “Crepúsculo”, um filme que apresenta suas atrizes vivendo uma aventura adolescente insana, como personagens reais e emblemáticas, prometia estrondoso sucesso junto ao público jovem brasileiro. Mas o moralismo jeca dos nossos distribuidores conseguiu ser maior que sua gana por lucro (que horror! Lésbicas! Menores de idade! Fumando maconha! Heresia!), e o filme teve um lançamento irrisório, quase restrito ao mercado televisivo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Haja coração














Cronistas esportivos desdobram-se para nos convencer de que o Campeonato Brasileiro de futebol continua “emocionante” mesmo com a definição precoce do título. E não apenas do título: metade dos clubes passará as próximas três rodadas sem lutar de fato por coisa alguma, descontando o insosso propósito de melhorar a posição na tabela.

As ralas expectativas ficarão voltadas para os rebaixados e para os últimos classificados à Libertadores e à Sul-Americana, todos com apenas uma ou duas vagas indefinidas. Na última semana, é possível que nem essas brechas ainda resistam. O incrível fenômeno dos jogos inúteis, além do desperdício de recursos e tempo, ajudará a ocultar certas motivações inconfessas que poderão selar este ou aquele destino alheio.

Não há defeito que abale a mitologia dos pontos corridos junto ao opinionismo torcedor das capitais.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O bom conselho



















Estão certos os estudantes de medicina que se negam a prestar o exame do Cremesp. Não apenas porque o teste possui utilidade questionável, ou porque foi imposto sem as muitas discussões que merece. Tudo isso é verdade. Mas os formandos estão certos principalmente porque fornecem uma rara demonstração de que o direito de contrariar as exigências do Conselho de Medicina suplanta seus discursos bem-intencionados. Os futuros advogados não possuem a mesma sorte.

Provas teóricas são insuficientes para avaliar profissionais de áreas que dependem de contingências imprevisíveis e que possuem natureza eminentemente prática. Se os conselheiros estão preocupados em melhorar o nível do atendimento médico no país, há poucas e boas alternativas possíveis. Por exemplo, determinar que os pacientes de todas as consultas clínicas devem receber diagnósticos escritos, carimbados e assinados pelos doutores.

Acontece que essas medidas dão trabalho demais e lucros de menos para os nobres reguladores. E deixemos de hipocrisia: o propósito inconfesso do Cremesp é gerar um fato consumado (a aceitação do exame) para depois forçar a sua obrigatoriedade legal. Então o Conselho ganharia uma fonte milionária de recursos, além da tributação disfarçada que já impõe aos associados.

Aliás, uma ótima demonstração do espírito desapegado e republicano do órgão seria registrar o compromisso de sempre manter a prova nos moldes gratuitos atuais. Ou propor que sua incumbência seja transferida ao Poder Público, revertendo a dinheirama para um fundo de amparo às vítimas de erros médicos.

É estranha a lógica das guildas arrecadadoras. Reclamam do aparato estatal, mas reivindicam as mesmas prerrogativas. Falam em nome da sociedade, mas não gostam que abelhudos se metam nos seus assuntos. Defendem a melhoria dos serviços que elas próprias deveriam fiscalizar, mas preferem constranger aspirantes e reclamar das escolas. 

sábado, 10 de novembro de 2012

“Diálogos”



Obra para piano e orquestra, de Elliott Carter (1908-2012). Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Erik Nielsen, com Nicholas Hodges ao piano.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

“O exercício do poder”



















Vencedor em Cannes e no César do ano passado. Produzido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (“O silêncio de Lorna”), guarda com a obra deles uma curiosa semelhança de atmosfera, tom e ritmo. E o ator principal, Olivier Gourmet, esteve em quase todos os seus filmes.

A emblemática seqüência de abertura sintetiza os dilemas do protagonista, composição marcante de Gourmet. O excepcional Michel Blanc aparece generosamente contido e delicado, salientando a personalidade peculiar do outro.

O roteiro vence as dificuldades inerentes aos filmes sobre bastidores políticos através de um roteiro enxuto, que não teme assuntos grandiosos (poder, amizade, ética, moral), e do tratamento hiper-realista e desglamurizado. Tudo termina soando verossímil além do paroxismo, como se já não estivéssemos no campo fantasioso, ou como se a consciência da farsa não servisse mais de escape ou consolo, pois imediatamente admitimos que “é assim que as coisas são”.

Filme intrigante, às vezes difícil, que serve como um bom argumento contra esse povo provinciano que elogia o ambiente governamental dos países europeus (ou dos EUA) sem saber que as práticas daqui, tão repudiadas, se repetem por todo o planeta. Mas será uma visão pessimista da realidade política e dos negócios de Estado? Por que deveríamos tomar negativamente o fato de que o pragmatismo domina (também) esse universo? Não seria mais fácil aprimorá-lo se o enxergássemos livre de máscaras idealistas e pruridos farisaicos?

E por aí vai...

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Perdeu, governador














A administração Geraldo Alckmin (PSDB) sucumbiu ao crime organizado. Policiais honestos são fuzilados por bandidos civis, cidadãos honestos são fuzilados por policiais bandidos, as gangues de ambos os exércitos travam suas guerras particulares. A violência armada generalizou-se a tal ponto que as autoridades chegam a tolerar as mais escancaradas infrações. A criminalidade é cotidiana e impune em São Paulo.

Mas os problemas do estado vão muito além. Não bastassem o colapso generalizado nos transportes públicos e a transformação das rodovias em congestionamentos privatizados, chegamos ao ponto surreal de vidas inocentes serem destruídas num bucólico passeio turístico. Em plena região serrana, que abriga o palácio de inverno do mandatário e as acomodações luxuosas da mais fina elite paulista.

Num governo petista, seriam escândalos para culminar em afastamento do governador. Já na Terra do Nunca demotucana, a culpa recai na favela, nos maconheiros, no governo Dilma, nos defensores dos direitos humanos, no demônio da terceirização, num pobre motorneiro desassistido. A imprensa partidarizada reclama do “ponto a que chegamos”, exige políticas públicas sempre alheias e hipotéticas, generaliza a sensação de calamidade para federalizá-la, naturaliza a incompetência administrativa como se fosse inerente a um anódino “sistema” irremediável.

Enquanto isso, seguimos especulando acerca dos limites da paciência do eleitorado perante o desastre que mídia ignora.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Surpresos e frustrados

















Duas análises publicadas aqui antecipavam boas perspectivas para a campanha de Fernando Haddad. A primeira, de março, apontava as fragilidades da candidatura de José Serra. A segunda, de setembro, sugeria que a ascensão de Celso Russomano era ainda mais positiva para o petista. Sem falsa modéstia, o que esse arremedo de futurologia mostra é que existiam evidências fartas, disponíveis a qualquer curioso, para interpretar o quadro sucessório com alguma segurança.

Em cenário marcado pela ânsia da novidade, um político veterano, de altíssima rejeição e perfil agressivo, não teria chances razoáveis contra o alcance popular de Lula e Dilma. Já o novato ultraconservador, com tempo irrisório de mídia e penetração quase restrita aos mesmos setores que formam a base do eleitorado lulista, cedo ou tarde sentiria a falta da mobilização da classe média, histórica simpatizante do tucanato.

Também parecia evidente que Russomano, Gabriel Chalita e Sônia Francine levariam mais constrangimentos do que benefícios para o projeto serrista. Inicialmente abraçados pela direita como neutralizadores das inovações representadas por Haddad, terminaram reforçando-as em demasia, influindo na derradeira comparação com o estilo caduco de Serra.

Os sabichões da imprensa corporativa teriam previsto com boa antecedência o desfecho da disputa paulistana se baseassem seus comentários nos fatos e na lógica. Fazendo proselitismo eleitoral, cegos pelas próprias vontades inconfessas, apostaram numa imprevisibilidade que só fazia sentido no imaginário dos militantes e torcedores do finalista derrotado.

sábado, 3 de novembro de 2012

“Hold on”



Alabama Shakes: Brittany Howard (vocal), Heath Fogg (guitarra), Zac Cockrell (baixo) e Steve Johnson (bateria).

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

“Operação Skyfall”



















A presença do consagrado Sam Mendes talvez se deva ao retrato frágil e decadente do protagonista e ao tom surpreendentemente dramático do roteiro. Arrisco-me a dizer que é a despedida de Daniel Craig, o James Bond mais “humano” da série.

Além da costumeira seqüência bombástica de abertura, as boas cenas de ação ganham um requinte visual que pode ser creditado ao respeitadíssimo fotógrafo Roger Deakins. Mas o destaque inevitável cabe ao vilão interpretado por Javier Bardem, numa composição estranha que o sutil tratamento do diretor permite apenas flertar com a caricatura.

Abonados o texto fraco e a obsolescência da premissa, resulta numa diversão agradável. Mas repetir as missões impossíveis e os Jason Bournes da vida não parece uma boa saída para revitalizar o modelo britânico original.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Voto negativo



















A taxa nacional de votos nulos e brancos tem crescido ininterruptamente desde 2004. Nas eleições municipais atingiu cerca de 10% em cada turno. O índice de abstenções, também inédito, oscila entre 16% e 18% do eleitorado. Somados os números, chegamos a sete milhões de brasileiros que por qualquer motivo deixaram de escolher candidatos.

As explicações pretensamente despolitizadas para o fenômeno trazem o risco de subestimá-lo. Primeiro porque sua origem não é apenas burocrática. Além disso, mesmo um problema cadastral dessa monta deveria soar grave, inclusive no que revela das estruturas institucionais brasileiras.

Não que esses problemas tenham maior relevância prática do que a insegurança do voto eletrônico sem confirmação impressa ou a juridicização do processo eleitoral sob o pretexto da moralidade. Acontece, porém, que existe um paradoxo doutrinário insanável no voto obrigatório. O direito de não votar deveria ser respeitado como qualquer decisão soberana do indivíduo. A demonização do absenteísmo ou do voto de protesto possui um viés elitista, quiçá autoritário, que resiste aos apelos do civismo oficial.