Publicado com o título “Omissão judicial diante dos conglomerados midiáticos” no Observatório da Imprensa
Os profissionais de cinema deveriam se mobilizar para
que o Judiciário respeite o disposto no Decreto 8.286/2014 e na Instrução
Normativa 117 da Ancine, que obrigam os exibidores a fornecer contrapartidas à
filmografia brasileira. A cada decisão judicial contrária, esse
caminho vai ficando mais inviável, ameaçando a sobrevivência da nossa cultura
audiovisual em médio prazo.
O argumento de “ingerência em atividade lícita” é
malicioso. A livre concorrência não existe no mercado cinematográfico, sob
domínio avassalador dos conglomerados internacionais. Eles controlam não apenas
a produção, a distribuição e a divulgação dos filmes, mas também as grandes
empresas midiáticas que veiculam o jornalismo cultural.
O espectador não “escolhe” as obras que assiste.
Ele desconhece alternativas. Na televisão, no rádio, nos jornais, nas revistas,
nos portais de internet, por todos os lados predomina o cinema estadunidense.
Que monopoliza as salas dos shopping centers (onde se concentra o circuito
exibidor), às vezes com um único filme.
Os tribunais protegem essa máquina de comércio
antiético. Repetindo a tolerância com outras excrescências do mercantilismo cultural, prevalece nas cortes a ideia falsa e algo cínica de que
assistir ou não a qualquer filme disponível configuram opções livres e, pior,
equivalentes.
Isso já seria equivocado mesmo se estivéssemos
tratando de marcas de sabonete. Num país que protesta por mais educação e cujo
governo adota o lema “Pátria Educadora”, a concorrência desleal que impede o
acesso de produtos culturais brasileiros ao próprio mercado cultural brasileiro
é simplesmente inaceitável.
A ganância monopolista dos exibidores
cinematográficos e de seus financiadores ofende princípios e demandas coletivas
que devem ser preservados por rigorosa ação estatal. O cinema representa um bem
cultural, educacional e histórico do país, além de abrigar milhares de trabalhadores
especializados.
É graças a essa visão que as cinematografias
nacionais desenvolvidas se resguardam da máquina hollywoodiana. O cinema
brasileiro não iguala o sucesso das produções de Argentina, França, Espanha,
Inglaterra, Alemanha, etc., em boa parte porque relutamos em imitar as leis protecionistas desses países.
Precisamos de ações direcionadas que conscientizem
a sociedade quanto à importância de se refrear o processo de naturalização e
fortalecimento dos interesses dos conglomerados midiáticos. Nem que seja apenas
para conhecermos o verdadeiro poder do seu lobby no Congresso, no Judiciário e
na imprensa corporativa.
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