terça-feira, 7 de junho de 2016

Culpando a vítima











O repertório machista que atravessa algumas agendas políticas ajuda a fortalecê-las transferindo as fórmulas do preconceito para esferas de análise onde a questão de gênero parece irrelevante. Isso ocorre com Dilma Rousseff (além do desrespeito aberto que ela sempre sofreu) nos debates sobre o impeachment.

Uma das mais graves e disseminadas falácias sobre o estupro reside na presunção de “merecimento” da vítima, que teria favorecido ou provocado a agressão. O ataque perde então a essência bárbara e passa ser compreensível, mero desdobramento de atitudes que a mulher poderia evitar se quisesse.

Argumento similar ressurge em certas manifestações de apoio à deposição de Dilma. Para digerir a escandalosa ilegalidade do processo e a imoralidade dos seus líderes, os defensores do arbítrio precisam jogá-las na conta da própria mandatária. Apesar de tudo, ela “mereceu” o ataque dos parlamentares ignaros.

Assim, os supostos defeitos pessoais de Dilma (arrogância, incompetência, falsidade) amenizam a ofensa jurídica do impeachment. A violação constitucional deixa de ser um golpe inescrupuloso, transformando-se em mera consequência, algo normal no sistema de relações do mundo político. A culpa é da vítima, que provocou sua tragédia.

Tais reflexões jamais esgotariam um tema sério e complexo como o da agressão sexual. A intenção aqui se resume a mostrar que o hábito de responsabilização da vítima extrapola a tolerância perante o estupro, servindo de instrumento para legitimar violências de outra ordem, certamente menos lesivas, mas nem por isso aceitáveis.

O fato de essa transposição soar natural e inofensiva para muitas pessoas solidárias com as mulheres que sofrem agressões físicas não deixa de simbolizar uma derrota no combate à impunidade dos agressores.

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