Elio Gaspari admitiu na Folha de São Paulo que há
um golpe em curso. Mas “golpe”, veja bem, no sentido democrático, mero jogo
sujo dos parlamentares malvados.
Eis outro típico reboleio semântico de quem se
envergonha de ter apoiado o impeachment. Doravante choverão análises parecidas,
tardias e eufemísticas, em busca de um lugar confortável na posteridade.
Foi assim com as reações às ilegalidades de Sérgio Moro e ao banditismo do governo interino. Será assim com a pizza da Lava Jato e
a destruição política de Lula.
Debaixo da retórica boazinha, porém, esses
remendos escrupulosos preservam as suas falácias originais, como caroços opinativos
inquebráveis que não podemos refutar. Moro é imparcial. Dilma mereceu. O
impeachment segue a Constituição.
Percebemos o cinismo dos apologistas
daquilo-que-seria-golpe-se-golpe-fosse quando eles qualificam o fenômeno: é do
“conluio de bandidos” para baixo. Ou seja, tem cheiro de golpe, cara de golpe,
discurso de golpe, mas... golpe? Não, não é.
Afinal, o que falta ao impeachment para merecer a alcunha maldita? Ruptura institucional? Violação das regras? Mas isso aconteceu
em 1964? O STF não acatou a deposição de João Goulart e a eleição indireta de
Castelo Branco? Não foi tudo dentro da tal “constitucionalidade”?
A questão central aqui é que não se trata de
diletantes desinformados das redes sociais. Gaspari, por exemplo, estudou
profundamente a ditadura militar. E muitas das pessoas que repetem seus
argumentos possuem sólida formação acadêmica, tanto que recorrem a teorias
muito bem elaboradas para rechaçar o conluio do PT com as elites.
Então vemos especialistas ignorando fatos
históricos para endossar suas posições partidárias. E progressistas
foucaultianos aplaudindo togados e meganhas como heróis nacionais. E a cúpula
do Judiciário repetindo os notórios erros dos antepassados.
Por isso acho meio pueril festejar o recuo
estratégico de Gaspari e de outros analistas. A natureza do impeachment não depende
dos seus juízos clarividentes e seletivos. O problema de apoiar um golpe é
deles e do próprio STF. Usem a palavra que preferirem.
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