segunda-feira, 29 de abril de 2013

Caras de pau



















Até outro dia as manobras de reformulações partidárias eram tratadas pela imprensa corporativa como safadezas inaceitáveis. Nem precisamos lembrar a gritaria que acompanhou o surgimento do PSD. Simples trocas individuais de legenda costumavam receber a imediata ojeriza do colunismo político, que sempre usou esses episódios para exigir dos congressistas a tal reforma política.

Pois agora a turma decidiu que nem todo oportunismo é sinal de malandragem. Os partidos que Marina Silva e Roberto Freire tentam inventar para concorrer às eleições presidenciais de 2014 recebem tratamento de nobres causas, direitos soberanos que o malvado governo Dilma Rousseff estaria sufocando. Mesmo a legitimidade do Congresso para refrear uma prática tão reprovada já não parece mais incontestável.

Hipócritas descarados, eis o que são esses comentaristas. Distorcem os fatos a ponto de apelidar de “bolivarianista”, de “rolo compressor”, a limitação de um hábito indecoroso que eles mesmos condenavam, em situações idênticas, meses atrás.

Como se a óbvia conveniência dos novos partidos para o projeto oposicionista fosse um mero efeito colateral de qualquer interesse republicano maior. Então a atitude ética do governo federal seria se submeter ao casuísmo alheio, aceitando uma esperteza forjada para derrotá-lo.

Vale tudo em nome da famosa alternância democrática, não é mesmo?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

"O som ao redor"



















Muitas camadas de sentidos se sobrepõem no enredo de aparência simples: ressentimentos de classe, violência urbana, culpas, egoísmo, vazio existencial, heranças de exploração coronelista, metáforas diversas. Estréia promissora de Kleber Mendonça Filho. Gosto de saber que ele vem de uma atividade profissional ligada à cinefilia, não-acadêmica, e nem por isso deixa de orquestrar o ritmo, a ambientação e a narrativa com notável habilidade. 

Sutil, contemplativo, delicadamente irônico e sensual. A reunião de condôminos e o desfecho anticlimático e alusivo são momentos especiais. A gradativa apropriação do espaço público pelos seguranças é construída numa engenhosa naturalidade, feito raro nas abordagens cinematográficas de temas atuais e complexos.

Há algo estranho na recepção festiva de certos críticos. Buscando um distanciamento intelectualizado cheio de implicações questionáveis, parecem evitar o corrosivo retrato que o filme propõe dos personagens abonados, insensíveis, rancorosos, paternalistas, entristecidos. Talvez porque se vejam refletidos ali. Talvez ainda porque é mais cômodo fugir para um espaço analítico pretensamente neutro, no qual a erudição substitui a autocrítica.

Não é de hoje que os cineastas pernambucanos formam uma vanguarda sem equivalentes no resto do país. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Venezuela imaginária















As bobagens proferidas na imprensa corporativa sobre a Venezuela têm fornecido material para décadas de pesquisas acadêmicas alinhadas a todas as metodologias disponíveis. Já é possível até reconhecer o veículo de predileção do interlocutor pelo discurso que este reverbera nas conversas informais.

Chegamos a um estágio de manipulação que desestimula o próprio uso do noticiário como fonte de conhecimento sobre a situação atual no país. À distância, simplesmente não dispomos de informações confiáveis, e corremos o risco de reproduzir modelos argumentativos falsos mesmo quando precisamos contrapô-los.

Mas os números disponíveis são suficientes para iluminar algumas deturpações. A “surpresa” perante a votação do candidato oposicionista, por exemplo, inaugura a incrível modalidade das expectativas isentas de qualquer respaldo estatístico.

Os adversários do chavismo sempre atingiram marcas próximas aos 40%, chegando a 45% na última vitória de Hugo Chávez. Conquistar novos 4% do conjunto dos eleitores, numa disputa marcada pela ausência do maior personagem político do país, não chega a representar uma arrancada sensacional. Alguém poderia até interpretar o resultado como vitória simbólica do chavismo, dadas as circunstâncias desfavoráveis.

Os aguerridos conservadores brasileiros esbanjaram sagacidade, no entanto, quando apoiaram a recontagem dos votos venezuelanos. Porque ela é viável na ditatorial Venezuela, onde a maioria das urnas eletrônicas produz um recibo impresso para eventuais conferências. No democrático sistema brasileiro, esse luxo seria impossível.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Menoridade mental














A redução da maioridade penal é uma farsa. Não apenas por causa dos resultados questionáveis no combate à criminalidade, das conseqüências sociais e estratégicas de se meter centenas de milhares de jovens no saturado sistema carcerário, nem mesmo pelo retrocesso que poderia causar no combate à exclusão e à marginalidade.

A idéia é falaciosa porque pressupõe um problema inexistente. A explosão da violência que assombra o país tem origens institucionais: ela reflete a putrefação das estruturas públicas responsáveis pela segurança, em todos os níveis. A vergonha prisional, o banditismo e o despreparo das forças policiais, a lentidão e os disparates do Judiciário, o comércio clandestino de armamentos e a ruína dos projetos educativos estatais são causados por pessoas despreparadas, insensíveis e corruptas que recebem gordos salários das comunidades para protegê-las. Funcionários de carne e osso, com endereços e gabinetes conhecidos, donos de mandatos revogáveis a qualquer momento.

Jogar a culpa numa entidade legal intangível reproduz o raciocínio fujão das autoridades incompetentes, que precisam de vilões externos para se livrar das cobranças inevitáveis. Sem essa fantasia hipócrita, ficaria mais fácil compreender que a Febem paulista (chamá-la de Fundação Casa não muda sua essência) já é a própria materialização do encarceramento brutal de adolescentes infratores. E ficaria mais fácil compreender que jogá-los nos campos de concentração reservados aos adultos só causaria a formação de novos exércitos de bandidos profissionais juvenis, treinados, violentos e irrecuperáveis.

Soa previsível que o tema da maioridade penal tenha sido alimentado por Geraldo Alckmin, no ápice da sua desmoralização político-administrativa. Tampouco surpreende que a imprensa tucana recorra ao placebo legislativo para despersonalizar um escândalo que em outras civilizações (ah, os exemplos internacionais) teria levado a avalanches de cassações e indiciamentos.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Capas de Storm Thorgerson (1944-2013)



















Pink Floyd, “Ummagumma” (1969)




















Pink Floyd, “Atom Heart Mother” (1970)



















Pink Floyd, "The Dark Side Of The Moon" (1973)




















Led Zeppelin, “Houses of the Holy” (1973)



















Genesis, “The Lamb Lies Down on Broadway” (1974)



















Pink Floyd, “Wish You Were Here” (1975)



















Pink Floyd, "Animals" (1977)




















Pink Floyd, “The Division Bell” (1994)


















Healing Sixes, “Enormosound” (2002)



















The Mars Volta, “Jellyhead” (2003)




















Muse, "Absolution" (2003)


Mais obras do mestre na sua página pessoal.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Vans



A barbaridade cometida recentemente contra um casal de turistas estrangeiros no Rio de Janeiro jogou um tímido facho de luz sobre o transporte alternativo. Não se trata aqui de fazer um balanço a respeito da idoneidade dos trabalhadores do ramo, embora ela seja freqüentemente questionada. Há quem suspeite, por exemplo, que o ex-prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos (PT), foi assassinado por ordem dos controladores dos alternativos locais. Mas como ninguém se dá ao trabalho de investigar dignamente o caso, jamais saberemos.

O importante é frisar que as tais vans não deveriam ter sido permitidas desde o início, sob qualquer pretexto. Elas representam uma privatização ilegítima de serviço público, e um remendo tosco para a incompetência municipal em fornecê-lo. Quem precisa recorrer a esses veículos conhece os riscos da aventura e as irregularidades cometidas por motoristas e agregados diversos. A fiscalização das autoridades é equivalente ao colapso administrativo que elas produzem por todos os lados.

Claro que agora tudo está mais ou menos “regularizado”, com a omissão que o Judiciário reserva para certos desvios oportunos. Mas se a prestação de serviço à sociedade serve para justificar os chamados perueiros, também deveria servir às milícias policiais.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Por falar em assassinos impunes















Tudo leva a crer que o julgamento do Massacre do Carandiru terminará com a absolvição dos acusados. Torço para estar errado, mas não parece haver solidez técnica nas acusações, em particular a necessária “individualização da conduta”, por falta de provas periciais suficientes. Coisa antiga, armada para chegar a esse exato resultado, como todos já sabiam à época.

A imprensa tucana pavimenta o caminho ao politizar o assunto com suas espertas pesquisas de opinião, que repetem outros apelos oportunistas ao suposto clamor popular. Sempre com os avais daqueles “especialistas” que há pouco não faziam muita questão de rigores probatórios. É como se os veículos tentassem deixar os jurados à vontade para tomarem decisões indigestas, fornecendo-lhes o alívio de consciência que a absolvição de fuziladores costuma solicitar.

O dissimulado esforço pelo engavetamento da chacina vergonhosa remete à política local. A punição dos assassinos fardados poderia forçar a constatação de que seus herdeiros corporativos ainda estão em atividade, escrevendo com sangue inocente a história oficial da competência administrativa peessedebista. A Geraldo Alckmin nada interessa menos que uma gritaria de advogados e familiares dos réus lembrando que eles obedeceram a ordens superiores e que estas contaram pelo menos com a omissão da cúpula do governo estadual.

Mas existem outros embaraços no ar. Os elos do PSDB paulista com o quercismo são antigos, variados e amiúde comprometedores. Aqui eles se materializam no senador Aloysio Nunes Ferreira, vice-governador de Luiz Antônio Fleury na época do massacre. O então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, é promotor do Ministério Público do Estado, em tese responsável por investigar denúncias contra a ruína administrativa demotucana que, como sabemos, tem sido um primor de lisura.

A ausência desses três personagens do banco dos réus e do noticiário sobre o julgamento antecipa o desfecho do novo teatro midiático.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Retratos musicais


 “Rock Brasília”


A trajetória das bandas brasilienses formadas nos anos 1980, em especial Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana. Os Paralamas do Sucesso recebem atenção desproporcionalmente pequena, e outros grupos de menor renome são ignorados.

As cenas dramatizadas e o discurso auto-referente ajudam a suavizar o tradicionalismo costumeiro de Vladimir Carvalho. No primeiro caso, porém (ainda que justificável pela falta de registros), o resultado parece um tanto artificial. Mas Carvalho é documentarista experiente, que sabe unir didatismo e emotividade, construindo uma vigorosa contextualização histórica do período.


“Tropicália”


















O diretor Marcelo Machado resgata um riquíssimo acervo escondido nos filmes marginais (“udigrúdi”) dos anos 1970, nos quais Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Helio Oiticica e outros personagens aparecem de maneira pouco usual para os moldes conservadores da atualidade. Junto com o excelente repertório televisivo, esse acervo arqueológico fornece momentos inestimáveis.

A opção pelas vinhetas decorativas, a princípio arriscada, termina funcionando bem. A esmerada produção da O2, agência de Fernando Meirelles (antigo parceiro de Machado), foi decisiva na viabilização de um projeto com tamanhas pretensões. Mesmo assim falta muita gente. Alguns retratados não fornecem depoimentos atuais. Um pouco mais de profundidade e o filme atingiria a grandiosidade do tema.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Esmola















O oportunismo eleitoral das quedas nas tarifas dos pedágios paulistas é tão evidente que chega soar cômico. E destrambelhado, por coincidir com o reajuste anual, que tende a neutralizar o efeito propagandístico do afago. Em médio prazo, cada centavo da tunga será mantido, mas o noticiário da “redução” tem alguma serventia para contrapor o desgaste da bagunça administrativa paulista.

Mas como surgiu o excedente a ser cortado, neste período de ameaça inflacionária e crise econômica mundial? E se a cartola demotucana possui um fundo falso para essas medidas populistas, preenchido por recursos gerados em graves desvios de origem e deixados pelas concessionárias ao dispor do governo? Afinal, bolas, o que explica a obscena disparidade dos valores cobrados nas rodovias federais e estaduais?

O assunto só aparece na imprensa corporativa sob o manto do logro. E é fácil entender por quê.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Faxinas
















A nova legislação sobre o trabalho doméstico muda pouco o tratamento judicial conferido à categoria. Há pelo menos quinze anos os tribunais têm admitido os direitos reivindicados na área, apesar da falta de regulamentação, sem suscitar grandes controvérsias.

O espanto da mídia corporativa reflete uma frustração inconfessa do cinismo hipócrita da moda, que exige apenas a honestidade alheia. Todos sempre souberam que seus empregados tinham as mesmas prerrogativas de qualquer trabalhador, mas agora (com um atraso muito característico da nossa cultura patriarcal) os falsos moralistas ficam ainda mais semelhantes aos vilões do noticiário político.

Um benefício secundário da mudança é mergulhar a opinião pública na dura realidade das pequenas e médias empresas do país. Onerados por tributos, encargos e taxas corporativas irracionais, os empregadores são reféns de uma legislação que beira a inviabilidade econômica e sofrem prejuízos muitas vezes injustos, provocados pela tendência das cortes trabalhistas decidirem de maneira favorável ao reclamante. Os nobres jornalistas, legisladores e magistrados conhecerão na pele essas desventuras kafkianas e talvez comecem a repensar certos paradigmas jurídicos e tributários que vigoram nos setores produtivos.

Exemplo entre muitos: o chamado “horário britânico”, registro uniforme (geralmente arredondado) para a entrada e a saída do local de trabalho. Hábito comum quando o funcionário preenche e assina uma folha de ponto, como ocorrerá na esmagadora maioria dos casos. Acontece que um documento com tais características é ignorado pela Justiça em reivindicações de horas extras não remuneradas. Nessas circunstâncias, se um ex-empregado reclamar o pagamento de quatro horas diárias, por todos os dez anos de serviço, ele será prontamente atendido. Para evitar o risco, as famílias precisarão comprar relógios de ponto ou policiar rigorosamente os rabiscos no caderninho. E jamais perdê-lo.

Talvez a inevitável turbulência judicial venha a provocar desonerações e múltiplas bondades visando apaziguar os lares convulsos. É mais provável, porém, que a situação dos trabalhadores fique próxima à atual: informalidade, acordos espúrios, fraudes previdenciárias. Com o agravante de alimentar a terceirização e as “pessoas jurídicas” individuais, que já dominam o mercado de trabalho regulamentado.

Quer dizer então que a emenda é indesejável? Óbvio que não, muitíssimo pelo contrário. Ela apenas está longe de representar a inovação prometida, porque se baseia numa estrutura obsoleta e incoerente, que não consegue mais sobreviver em outros ramos laborais com tamanha abrangência e as mesmas fragilidades.  

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Maconha incentiva a geração de neurônios e tem propriedades ansiolíticas e antidepressivas



















Parece delírio, mas é a conclusão de uma pesquisa realizada por psiquiatras, neurologistas e biólogos das universidades de Saskatchewan (Canadá), Xian (China) e Maryland (EUA). Os resultados do estudo, em inglês e com ricas ilustrações, está disponível aqui.

Eis um trecho da introdução: “Nós demonstramos que, após um mês de tratamento continuado com HU210 [um canabinóide sintético], os ratos apresentaram aumento de neurônios recém-nascidos no hipocampo e reduções significativas nos comportamentos típicos de ansiedade e depressão. Assim, os canabinóides parecem ser as únicas drogas ilícitas cuja capacidade de aumentar a neurogênese no hipocampo está possivelmente ligada aos seus efeitos ansiolíticos e antidepressivos.”

A constatação acrescenta pouco aos muitos argumentos favoráveis à descriminalização da maconha, cujos benefícios medicinais já foram comprovados de diversas maneiras, inclusive pelo uso ancestral. Mas ajuda a afastar certas mistificações produzidas pelo poderoso lobby proibicionista brasileiro, ultimamente disposto a frear os avanços da sensatez que se multiplica no planeta. Se depender dessas forças do atraso, o país ficará isolado num arcaísmo jurídico próprio das sociedades mais obtusas e repressivas.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O Miojo no Enem




















Concordo que a complacência perante as liberalidades tomadas nas redações do Enem precisa ser discutida. A ruptura dos padrões formais socialmente aceitos (ou impostos) e da linguagem dita “culta” pressupõe um domínio prévio desses modelos. E também implica o discernimento das circunstâncias mais apropriadas para os diferentes tipos de manifestação escrita.

O nível da formação dos estudantes que ingressam na universidade é baixíssimo, e em muitos casos chega ao completo despreparo para qualquer atividade acadêmica. Professores de faculdades são obrigados cada vez mais a instruir seus alunos em rudimentos que deveriam ter sido assimilados já no colegial, senão antes. O problema, gravíssimo e subestimado, atinge alunos oriundos de todas as classes sociais. Boa parte da tolerância com os supostos gestos de rebeldia juvenil pretexta lutar contra os enquadramentos para não enfrentar essa questão.

Mas precisamos ter em conta que o fracasso educacional brasileiro inclui o sistema tradicional de vestibulares e toda a economia cínica e embrutecedora que se aproveita dele. É um esquema pesadíssimo de interesses financeiros que possui respaldos inclusive na mídia corporativa – e não é por acaso que a sanha desqualificadora aplicada contra o exame federal não se repete nos similares privados, igualmente repletos de estranhezas.

O Enem deve ser aprimorado, mas continua sendo a alternativa possível para um futuro menos trágico na formação da juventude.